*Por
Aleluia, Hildeberto
A
Internet é um campo de batalha. Mas um campo de batalha diferente de todos os
outros. Suas fronteiras e seu território mudam constantemente, novas armas sofisticadas
podem ser fabricadas e utilizadas por programadores amadores de software usando
PCs baratos, e seus usos comerciais e sociais estão inesgotavelmente
entrelaçados aos usos militares. Ela neutraliza muitas das vantagens
tradicionais dos grandes exércitos que usam armas físicas de última geração.
Quem
garante isso é o americano, jornalista e escritor, Nicholas Carr, autor do
livro A Grande Mudança (Editora Landscape). Não faz muito tempo, li que uma das
razões do sistema nuclear iraniano não estar ainda cem por cento em operação é
em função dos efeitos da ação de um hacker no centro operacional. Falei dessa
informação com um dos maiores empresários brasileiros da área de construção
pesada e telefonia. Homem inteligente, bem formado, afeito à leitura e
atualizadíssimo. Ele nem me deu bola e arrematou dizendo que não acreditava ser
possível tal feito e achava que era fantasia. Com o tempo, descobri que aqueles
que não são muito afeitos aos negócios da internet e suas consequências não
possuem a menor noção do seu espectro, de seu poder e de sua dimensão. Mas é
bom que tomem consciência logo.
Na
página 157 de A Grande Mudança, narra o jornalista Carr que, no final de 2006,
“as tropas britânicas que haviam ocupado a cidade de Basra, no Iraque, passaram
a sofrer ataques cada vez mais precisos de projéteis lançados por morteiros de
combatentes rebeldes escondidos dentro da cidade e de suas vizinhanças. Um
soldado foi morto e vários outros ficaram feridos nessas ofensivas. Passado
algum tempo, o exército inglês deu início a uma série de ataques às casas e aos
esconderijos de suspeitos na esperança de reduzir os bombardeios. Em alguns dos
lugares em que entraram, ficaram surpresos ao descobrirem páginas impressas do
serviço de mapeamento Google Earth. Mostravam as posições britânicas com
detalhes suficientes para identificar tendas individuais e até latrinas. Diz o
professor que uma das páginas impressas encontrada pelo pelotão inglês mostrava
o quartel general do regimento Staffordshire, de mil membros, e a longitude e a
latitude do acampamento estavam anotadas no verso. Os oficiais da área de
inteligência logo concluíram que os rebeldes estavam usando as imagens para
determinar o alvo de sua artilharia. Foi essa descoberta que possibilitou aos
especialistas em tecnologia militar a confirmação do que eles já suspeitavam
fazia tempo: os terroristas e guerrilheiros podem obter informações valiosas do
Google Earth e de outros mecanismos de mapeamento da internet. Combinadas aos
dados de localização de dispositivos GPS (sigla em inglês de Sistema de
Posicionamento Global) comuns, as imagens podem ser usadas para definir alvos
de bombas e ataques com grande precisão. Oferecem uma alternativa simples, mas
eficiente, aos sistemas de tecnologia avançada empregados pelos exércitos
modernos.
Diz
ainda o jornalista Carr que as tropas que foram alvos dos tiros de morteiro
ficaram revoltadas com a notícia de que seus inimigos estavam usando mapas e
imagens impressas retirados de um site público da Internet para definir seus alvos.
Disseram a um repórter do Daily Telegraph (jornal de Londres) que processariam
o Google se fossem feridos em ataques futuros. Queixaram-se de que os
combatentes inimigos sabiam por seus mapas onde eles comiam, dormiam e iam ao
banheiro até. Lembra Nicholas Carr que “a raiva do soldado é compreensível. Mas
não tem fundamento. O Google Earth é usado por milhões de pessoas diariamente
para objetivos absolutamente pacíficos”. Mas admite também que para os
terroristas a internet é uma dádiva do céu. Recorda que além de oferecer acesso
fácil a mapas, fotografias, descrição de armamentos e outras valiosas
informações táticas, funciona como uma rede de comunicações de múltiplas
finalidades, instrumento de observação e vigilância, canal de propaganda e meio
de recrutamento, tudo gratuito em praticamente todos os lugares do mundo.
Os
pesquisadores do Dark Web Portal (Portal Sinistro da Web) um projeto da
Universidade do Arizona que acompanha e avalia as atividades on-line de grupos
terroristas, conseguiu detectar mais de 325 sites terroristas escondidos na
internet no ano de 2006. Os sites tinham cerca de 280 gigabytes de dados que
incluíam 706 vídeos (70 eram de decapitações e 22 mostravam ataques suicidas),
bem como mensagens em áudio e imagens de alvos de ataques futuros e atuais que
iam de veículos a pedestres. Com a observação de que a internet oferece uma
infraestrutura militar prontinha, ideal para as necessidades de uma força
clandestina bem dispersa, ele conclui que o campo de batalha em que se
transformou a net, com fronteiras e territórios em constante mutação, é o
cenário da guerra do futuro onde programadores amadores desenvolverão suas
armas com software e PCs baratos com usos comerciais e sociais entrelaçados aos
usos militares e de segurança. No próximo artigo, veremos como os Estados se
preparam para a defesa.
Nota: Hildeberto é barrochense, residente no Rio de
Janeiro; Profissional da área
de Comunicação, com formação em jornalismo, marketing e publicidade.